sábado, 30 de dezembro de 2017

Amálgama

Norma Santi 


Colocada por Deus em linha elíptica
Pra viver de dias cândidos
Deitar-me à rede de noites plácidas
Enluarada de águas límpidas

Pra confirmar que a vida é efêmera
Criada sobre a linha lógica
Feita de tardes e paisagens lúdicas
O reverso de outra retórica

Vieram os tempos de ideias sórdidas
Destiladas em coração pérfido
Cauterizadas em sentimentos mórbidos
E fecundadas em atos indômitos

Há mais de um século em idade púbere
Envolvida em crises cíclicas
Como um câncer em suas metástases
Tremo à ira de febres sísmicas

Em harmonia de elementos químicos
Atestada pela física quântica
Enredada em tramóias cibernéticas
Invoco a letra do novo cântico

Movimento-me em camadas tectônicas
Escurecida em ares ácidos
Preparo em silêncio novas catástrofes
E crio cenas de efeito épico

Movo os braços em fúria homérica
Abro novas fendas míseras
Rio-me de suas perdas econômicas
E exponho nossas vísceras




Ensaboei a vontade de você do meu corpo
Ri quando a água a levou
Me despedi dela como criança acenando ao palhaço do circo
Saí do banho sem o seu peso
Hidratei cada poro com uma nova pele
Vesti a roupa de sua ausência
Fiz festa em mim
Saí à rua limpa do seu sorriso
Pulei a amarelinha do tempo
Corri e alimentei a liberdade de algodão doce
E já no fim do dia
Empapuçada da sua distância
Voltei para casa com fome
E comi do seu prato sobre a mesa
Chega de meias palavras
De ler nas entrelinhas
Hoje quero teu amor explícito
Translúcido
Evidente
Quero amor de bicho
Que não pede licença
Que não come pelas beiradas
Quero amor certeiro
Que deita no chão
Que sobe na mesa
Que não espera a hora certa
Nem o momento adequado
Quero amor malcriado
Indecente
Amor que se mete, que se enfia
Amor que ri alto
Que fala palavrão
Hoje dispenso o teu bom senso
E os teus melindres de bom moço
Hoje quero tudo sem rodeios
Sem flores e nem jantares
E pela manhã
Atirados no lixo, tímidos,
Os cacos dos nossos olhares.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

apaticarestia

Apaticarestia

Norma Santi

À míngua
A língua procura
A dobra
Que enrola teu corpo

Às tontas
A louca devassa
O meio
Que torneia teus dedos

Às pressas
A presa escapa
E dobra
O entorno do meio

E a fome volta
Cachorro e seu dono
À míngua
Às tontas
Às pressas

Às escuras submeto-me à fome
A fome de ter fome
De ter fome
De ter fome

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Aloha

Saindo daqui, tô no sal!
Sal brow?
Eu é que não vou me lascar
Saindo da barriga da mãe
Sal, só se for do mar!

Digam pra mamãe que já fui
Que nem precisa se preocupar
E que meu único problema
É se o pico da onda crowdiar

Que as cuecas pelo chão
Todo mês mando pr’ela lavar
E já que não tenho grana
Com cabelo não vou gastar

Vou deixar tudo ficar rasta
Vezinquando parafinar
Vou trabalhar de sol a sol
E em Floripa vou morar

Nem com o rango precisa
Mamãezinha ficar cabreira
Qualquer larica da hora
No luau, foguinho é lareira

Duas ilhotas no horizonte
Tanta mulher de shape perfeito

E com Marijuana na cabeça

 Não seriam um par de peitos?

Me distraio, fico aflito
Tomo uma vaca, mó caldão
Só ouço a galera dizendo:
Sai daí seu haole vacilão.

De repente meu mar fica flat
Minha onda pequena marola
Dou adeus ao vento terral
E por hoje melhor ir embora

Paguei de pangas do pântano
E agora o que posso fazer?
Melhor desfazer rapidinho
Este kaô de WCT

Chegando em casa mamãezinha
Me diz que sou sonhador
Me manda logo tomar prumo
Que ainda me quer ver doutor

Vou guardar meu tocossauro
E bora estudar pro Enem
Vou fazer vestibular pra Oceano
E aí não me segura ninguém

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Como morre um grande amor

Norma Santi
Poema selecionado como Principal Destaque do Banco de Talentos Fenaban 2009

Um grande amor não morre. Suspende-se.
Toma uma rua paralela.
Sorrateiro que é, ignora o não e se junta ao plano das horas.

Um grande amor não morre.
Apressa-se antes em crescer.
Unem-se a ele cada palavra não dita, cada gargalhada repentina e incontida.

Um grande amor não morre.
Senta-se na poltrona mais confortável, assiste um cobertor e puxa a lista dos filmes prometidos.
Um grande amor não morre.
Recusa-se a fechar a janela exuberante da paisagem que continua ali, exibindo-se.

Um grande amor não morre.
Expande-se e agiganta-se porque deixamos que brotasse em nós.
Cresce alheio à interrupção a qual o submetemos.

Um grande amor não morre.
Rende-se ao tempo.
Guarda dentro de si todas as canções,
Todos os olhares que por ora estão detidos.

Um grande amor não morre.
Pacientemente aguarda.
Demora-se a compreender os porquês.

Fica perplexo ao ver seus sonhos um a um pendurados na linha paralela.
Linha onde ficam todos os amores subitamente interrompidos.
Todos os amores andarilhos, abandonados, órfãos.

Um grande amor não morre.
Subalimenta-se.
Insiste faminto a revirar restos que o mantenham vivo.

Presente.
Caminha de dia e a noite recolhe-se num canto qualquer em que lhe deem abrigo.
Sente o frio do esquecimento.

Um dia parte. Mas, partir para um grande amor não é morrer.
É transmutar-se.
É mansamente adormecer sob a doce sombra do alvorecer.

Amálgama

Norma Santi  Colocada por Deus em linha elíptica Pra viver de dias cândidos Deitar-me à rede de noites plácidas Enluarada de ...