quinta-feira, 10 de junho de 2010

Transmutação


Puxo um fio
Uma tirolesa para o passado
Avisto-me já de longe
Sentada no pátio de minha casa

Sinto que se aproxima um ar morno
Fico feliz
O frio rigoroso se afasta
Um suspiro profundo e retorno ao trabalho
É preciso terminar as cercas
Os animais há algum tempo aguardam
Pacientes
Amontoados ao meu lado

Crio cercados
Rampas
Estradas enfileiradas.
Deposito primeiro o boi
A ovelha
A cabra
A vaca
Ao lado do bezerro malhado

Fecho e abro a porteira
Comando a liberdade
E o cativeiro

Mas logo me canso
O vento faz arte nas minhas páginas
E para a minha mão recolho o gado

Jogo as cinco Marias
Por sobre a mão
Que se abre em arco
Para que caminhem
Uma após uma
Até que todas passem para o outro lado

Mas uma página virada
Pelas travessuras do vento
Pego uma das cinco Marias
Traço riscos
Chego ao céu depois do décimo quadrado

Aproxima-se a noite
Minha mãe assobia cantigas na janela
Nova mudança de ares
O entardecer cria sombras
Que provocam um arrepio gelado

Recolho meu tesouro
Num canto secreto
No fundo do quintal

Balanço-me agora por sobre a corda do tempo
Ariadne me devolve o fio
Enquanto sopra um vento de alquimia
Uma resposta de ouro metal.

Como então não sabiam
Aqueles errantes moços
Que ao toque de uma criança
Toda pedra é filosofal?

Transitório

Norma Santi

Provisório,
Colapso,
Desordem,
O olho semiaberto
A diária luta da luz contra a retina.
Arrasto o humor pela casa.
Minha imaginação mergulhada em delírios
Mete-se enlouquecida a revirar gavetas:
Uma menina de urso na mão
Perambula pela casa.
Penso que me observa.
A água no corpo me salva,
Esfria a tensão.
Começo a sentir o pulso.
O mundo se movimenta.
A cafeína me desperta.
Saio da casa.
A louca senta comigo enquanto espio janelas.
Aproveita cada deslize de minha atenção.
Zombateira, logo se mete em encrencas.
Sabe que nem mesmo a loucura me é permitida.
Vaga entre dois mundos,
Ambos provisórios
Caminho provisório.
Nada é nosso.
Tudo é emprestado
Ao provisório tempo de estar aqui.
Corpo provisório
Numa alma eterna.
É por isso que cabem nela todos os mundos,
Todas as arbitrariedades,
Tudo que é por pouco e pra sempre.
Provisória é a vida!
Provisória a saciedade.
Provisória a tempestade.
Provisório o sol,
Mesmo diante de sua majestade.
Sacudo-me,
Volto ao ponto do outro lado.
Sigo na direção inversa.
Provisório é o clic da luz apagando a escuridão.
Provisória é a luz banhada da escuridão.
Constante apenas o déjà vu.

Amálgama

Norma Santi  Colocada por Deus em linha elíptica Pra viver de dias cândidos Deitar-me à rede de noites plácidas Enluarada de ...